Wednesday, January 04, 2006

A Equação
Era uma vez uma letra e um número que se tinham conhecido numa folha de rascunho , no meio de uma equação qualquer, entre milhares de outras letras e outros números. O lápis tinha-os posto juntos e assim se conheceram. Davam-se tão bem que não se apercebiam que andavam alheados da equação. Sem darem conta saíam do seu lugar para se isolarem dentro de dois parêntesis, sozinhos, sem sinais ou outros números ou letras a separá-los ! Outras vezes uniam-se entre chavetas formando um conjunto! Tudo corria bem falavam muito, sobre muitas coisas e foi preciso passar algum tempo para que as suas diferentes naturezas se começassem a manifestar. A letra tinha começado a gostar do número e o número da letra e apesar de nenhum deles acreditar em axiomas ou teorias universais pensavam ser assim o que o outro pensava. A letra começou a querer conversar e o número a querer conversar e beijar. O problema era que ela gostava de falar, não só pela sua natureza mas também porque tinha medo de beijar o número, ele pelo contrário tinha medo de conversar demais e de nunca a beijar. No fundo queria apenas conhecê-la de outra maneira. Como número gostava de derivadas e de tangentes! Ela com medo de deixar de ser letra recusava-se acentuando-se com acentos graves. Ele ficava negativo deixava de falar , virava conjunto vazio, criava fracções para a evitar, punha sinais de diferente entre eles. Mas o número nunca quis que ela deixasse de ser letra porque ele próprio não queria deixar de ser algarismo! E sem o assumirem continuavam a baralhar a equação. Criavam várias situações complicadas nas diferentes folhas do rascunho , em algumas delas nem se viam e, no fim, já só se olhavam cada um na sua margem sem se falarem.Como a equação não tinha solução a mão, já cansada do lápis, pegou nas folhas amachucou-as e deitou-as para o lixo. Por distracção uma tinha ficado em cima da mesa e a mão fez dela um avião de papel que atirou pela janela. A letra e o número olhavam-se cada um numa asa diferente interrogando-se e tal era o seu desejo de falarem que quase se soltavam do avião de papel. Voavam à vontade do vento procurando mesmo assim uma alternativa trocando de lugar com outros números para tentarem redescobrir-se. Mas era tarde demais, tinha começado a chover e já alguns números e letras desapareciam. O número e a letra olhavam-se assustados e nesse último olhar ambos questionavam a mesma coisa. Como foi pena não terem estado, uma só vez, só os dois, numa folha de papel branco na horizontal fundindo-se num circulo, dependentes e independentes, ela 'O' ele ' 0 ' ... e enquanto o tempo se demorava a chorar e todos se diluiam lentamente numa mancha azul o número continuava a desejar... um beijo!
Pepa

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

... De repente o sol abriu-se, Maio sorriu irónico aos dois amantes na distância de si.
O número preso ao seu lado da asa grita em desespero, não beijar a letra fazia da morte uma sensação aprazível. Louco universo que aproxima dois seres tão diferentes e não os deixa tocarem-se!
O sol enleado no calor da paixão saboreava a certeza de que o 0 e a O encontrariam uma saída agora que abrira ele próprio os seus olhos... e sorria, oh como sorria e Maio sorriu também!

6:42 PM  
Anonymous Anonymous said...

Quando 0 acordou e se deu conta que afinal o tempo não tinha chorado, e que todo o pesadelo lhe tinha chegado em sonho, pensou em O e exultou de contentamento.
Iria agora dar vida, acordado, ao seu sonho, pois só assim ele se poderia concretizar!
A sua força interior e o seu desejo eram mais fortes que o tempo! Então a letra e o número fundir-se-íam em círculo e diluir-se-íam num só...beijando-se

2:47 PM  

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